DESEJAVA QUE PUDESSES...
Desejava que pudesses ver a tristeza de um homem de negócios quando o trabalho da sua vida desaparece nas chamas, ou de uma família que regressa a casa e encontra os seus pertences danificados ou destruídos pelo fogo.
Desejava que pudesses saber o que é procurar crianças presas num quarto a arder... As chamas por cima de tua cabeça, as palmas das mãos e os joelhos a queimarem enquanto tu rastejas... O chão a ranger com o teu peso, enquanto a cozinha arde por baixo de ti.
Desejava que pudesses compreender o horror de uma esposa quando às 3 da manhã verifica que o marido não tem pulso... Inicío manobras de suporte básico de vida no mesmo, esperando uma hipótese muito remota de trazê-lo de volta... Sabendo instintivamente que é tarde demais...
Mas querendo que a família soubesse que tudo o que era possível foi feito.
Desejava que pudesses saber o cheiro único de uma queimadura, o gosto da saliva com sabor a fuligem, sentir o intenso calor que passa através do equipamento, o som dos estalos das chamas, a sensação de não conseguir ver absolutamente nada através do fumo denso... Sensações que se tornaram muito familiares para mim...
Desejava que pudesses compreender como nos sentimos ao ir para o trabalho de manhã após passarmos a maior parte da noite suando com o calor das chamas de um incêndio...
Desejava que pudesses ler o meu pensamento quando respondo a uma chamada para um edifício a arder... "Será falso alarme ou um enorme incêndio? Como será a construção do edifício? Que perigos esperam por mim? Estará alguém lá dentro ou saíram todos?"
Desejava que pudesses ler o meu pensamento quando respondo a uma chamada de socorro. "o que se passará com o doente? Será que a pessoa que telefonou está mesmo em apuros ou estará à minha espera com uma arma?".
Desejava que pudesses estar na sala de reanimação quando o médico decide anunciar a morte da linda menina de cinco anos que tentei salvar durante os 25 minutos anteriores, e que nunca irá ter o seu primeiro namorado, nem nunca mais irá dizer "gosto muito de ti, mãe" ...
Desejava que pudesses saber a frustração que sinto na cabina do autotanque, o meu colega com o acelerador a fundo, a minha mão no botão das sirenes tocando toques diferentes na tentativa de desviar os carros da frente quando não se consegue passar por um cruzamento ou no meio do trânsito. Sentir o perigo de uma condução em missão de urgência arriscando a nossa própria vida, quando vocês precisam de nós... e no entanto, o primeiro comentário quando chegamos é sempre: "Demoraram uma eternidade".
Desejava que pudesses ler os meus pensamentos enquanto ajudo a retirar os restos de uma jovem do seu veiculo contorcido, "e se fosse a minha namorada ou alguma amiga? Qual será a reacção dos seus pais quando abrirem a porta e virem os polícias?"
Desejava que pudesses saber como é entrar em casa, cumprimentar a família não tendo coragem para lhes dizer que quase não voltei da última ocorrencia.
Desejava que pudesses perceber a instabilidade mental, emocional e física de refeições perdidas, sonos perdidos e a falta de actividades sociais associadas todas as tragédias que os meus olhos já viram.
Desejava que pudesses saber a irmandade que existe e a satisfação de ajudar a salvar uma vida, a preservar as coisas de alguém, a estar "lá" nos tempos de crise ou a criar ordem quando existe um caos total.
Desejava que pudesses compreender como nos sentimos quando temos uma criança a puxar-nos o braço e a perguntar "a minha mãe está bem?" sem sequer conseguir olhar nos seus olhos sem deixar cair umas lágrimas e sem saber o que responder. Ou ter de segurar um amigo nosso enquanto um outro amigo está na ambulância em manobras de reanimação. A menos que tenhas vivido este tipo de vida, nunca conseguirás entender verdadeiramente ou apreciar QUEM EU SOU, O QUE NÓS SOMOS OU O QUE O NOSSO TRABALHO SIGNIFICA REALMENTE PARA NÓS. Porque deixamos quem nos Ama para ir ajudar quem nos chama... Porque podemos não voltar mas vamos...
Desejava que pudesses… ENTENDER O ORGULHO DE ME CHAMAREM BOMBEIRO...